O nome desta sorridente senhora é Arlete Honorina Hilu. Ela foi localizada e entrevistada pela TV Record para o programa Repórter Investigação. A entrevista não é nova, foi ao ar em março deste ano. Mas eu só a vi agora, alertado por uma pessoa que conheci quando me envolvi na investigação do tráfico e adoção ilegal de bebês e crianças brasileiras por pais estrangeiros na década de 1980.
A minha pesquisa deveria virar um livro, mas eu suspendi a ideia por falta de recursos e de energia, não sem antes conversar com muita gente e publicar algumas histórias na imprensa. Na entrevista, Arlete, hoje aposentada e com 72 anos, confessa:
“Pode me chamar de traficante de crianças. Fui traficante de crianças e essas crianças estão maravilhosamente bem” — Arlete Hilu
Essa declaração mostra o deboche de quem tem a certeza de ter feito um favor a crianças que, hoje com idade ao redor de 30 anos, ainda não sabem quem são seus pais biológicos. Arlete liderou uma quadrilha de tráfico de menores que tirava bebês e crianças de suas famílias biológicas, muitas vezes sem consentimento (ou conhecimento) delas, algumas vezes sob coação, e os vendia (por 1,2 mil a 1,3 mil dólares, como contou na entrevista) para adoção para pais estrangeiros que vinham ao Brasil atraídos pela facilidade criada por uma lei frouxa anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e de normas rígidas de adoção combinados com a corrupção de agentes públicos que deveriam assegurar os direitos dos menores.
Assista à íntegra:
Uma dessas crianças foi adotada nos anos 1980 por pais israelenses. Seu nome é Chen Levy Gavillon. Eu a conheci em Israel e acompanhei, durante muitos anos, a busca que ela empreendeu pela família biológica. Nunca teve sucesso. Em um determinado momento, cansada dos becos sem saída da burocracia e da dificuldade de localizar informações que pudessem dar alguma pista, ela desistiu. Em 2012 conversamos e ela me contou essa história, que foi publicada no Estadão:
Embora tenha investigado e procurado de forma quase incansável ao longo de vários anos, Chen ainda não sabe quem são os pais biológicos, pessoas que ela se recusa a chamar de ‘pais’, apesar do desejo de encontrá-los. A pouca informação que ela tem se resume ao nome do Hospital Nossa Senhora das Graças, de Bom Retiro (SC), onde ela teria nascido.
A história de Chen não é uma exceção. Com a dificuldade de adotar crianças em Israel, famílias daquele país recorriam a adoções em outras nações. De acordo com a documentarista israelense Nili Tal, que fez dois filmes sobre o assunto, durante a década de 1980 mais de 3 mil crianças brasileiras foram adotadas, muitas das quais de forma ilegal, por pais israelenses. E o mesmo aconteceu com pais de vários outros países.
Salve Jorge. O drama dessas crianças ficou amplamente conhecido no Brasil com a novela Salve Jorge, da TV Globo. O folhetim, que esteve no ar em horário nobre entre 2012 e 2013, não apenas abordou o assunto como o fez mesclando a história fictícia de uma personagem com depoimentos reais de crianças que hoje vivem em outros países e seguem buscando suas famílias biológicas.
Entre os casos reais que a novela trouxe ao público estão as histórias de Ron Yehezkel, nascido em Pelotas (RS) em 1986, que nunca voltou ao Brasil e não fala português, mas diz sentir-se um pouco brasileiro, gosta de ouvir música e assistir a jogos da seleção; ou de uma garota que mora em Israel mas foi entregue aos pais adotivos por intermediários na Alemanha; ou de Inbal Adiv Gabriel, que nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 1986 e quer entender a razão de ter sido entregue pela mãe biológica; ou de Fabiana Soares, nascida em Fortaleza (CE) em 1985 e levada para Israel com apenas 15 dias de vida. ou de Lior Vilk, traficado em 1985, que procura a família biológica há anos e conta que seus documentos foram todos falsificados.
Essas são apenas a ponta de um iceberg muito mais profundo de uma história que teve seu ápice há 30 e poucos anos. De fato, se você assistiu ao vídeo, viu que Arlete confessou que recentemente uma criança “caiu em seu colo” e foi adotada por pais israelenses. Os crimes cometidos nos anos 1980 continuam acontecendo, segundo o depoimento dessa mulher.
Isaura Mandryk. A mulher que me alertou sobre o vídeo da entrevista da Record se chama Isaura Mandryk. Ela foi minha “guia” na investigação que fiz ao longo de vários meses sobre o assunto. De forma voluntária, ela ajuda os jovens adotados na intermediação e na busca pela documentação e pelas famílias biológicas. Quando compartilhou a entrevista, esta semana, Isaura comentou no Facebook:
É mentira que as mães biológicas ‘venderam’ (as crianças), que receberam dinheiro… Algumas receberam cestas básicas ou pequenos valores. E o dinheiro ficava com os ‘intermediários’. As mães biológicas (eram) coagidas e ameaçadas: se denunciassem, iriam presas. Algumas ‘patroas’ levavam os bebês sem o consentimento das mães – e quando elas ficavam sabendo que foram para o Juizado, as crianças já haviam sido adotadas, inclusive com o escrivão ameaçando. (…) Outros juízes, outros agentes públicos, inclusive oficiais de Registro Civil e tabeliães (estiveram envolvidos). É verdade também que o esquema mafioso era muito, muito grande – no Brasil todo, em outros países também. Essas crianças não têm ‘uma vida muito, muito boa’ (em referência à declaração de Arlete): milhares tentam encontrar suas famílias biológicas, direito fundamental universal. A confusão é grande demais. Arlete Hilu foi apenas o boi de piranha.
Em uma entrevista ao Diário Catarinense, de 2012, época da novela, Arlete Hilu disse não saber do tráfico de crianças que agora confessa, conta que a experiência na prisão (ela esteve presa duas vezes) “foi uma maravilha”, diz que não se arrepende de nada, afirma que as crianças têm “vida de reis e príncipes” e que, no Brasil, seriam “marginais”. E relata algo que Isaura sempre alertou: a participação de diversas esferas do poder público para permitir a adoção e a saída dessas crianças do Brasil:
Todos os processos que eu fiz foram dentro do Juizado de Menores. A PF dava passaporte. Se fosse documento falso, a PF não daria passaporte. Tudo legalizado. (…) Existia uma máfia dentro do hospital, que já tinha as pessoas certas.
A quem se interessa pela história, dois recados: 1. estou sempre interessado em retomar essa pesquisa de forma aprofundada e de publicar aquele livro; tenho um extenso material à disposição de quem quiser mergulhar comigo nisso. 2. se você está curioso e quer entender a extensão do tema, vamos conversar.
Conheço três pessoas uma minha mulher o pai dela falou que ela foi tirada de um hospital e não sabe que essa mulher fes pra consequi só sabe que ela fez um crime minha mulher tem 34 anos não sabe quem são seus pais biológicos ela e do parana mas veio embora pro pará quando crianças estranho pq ela e adotada e tem mas três primos adotados e os país delas vieram embora do parana pro pará e nunca mas voltou meu pai me falou quem me pegou foi professora Maria Luiza de Guaíra PR liguei pra ela ela me falou que meu pai era pra fica de bico calado e se eu for em qualquer órgão ela vai dizer que eu sou Malaca que eu to precisando de tratamento meu numero 04191982286804
Ajude minha esposa por favor agradeço a vocês.
Boa tarde Gabriel tudo bem?
Li sua reportagem até o final e me emocionei muito assim como algumas informações me chocaram também. Estou no penúltimo período de Relações Internacionais e como tema para meu TCC acabei escolhendo o Tráfico illegal de bebês para fim de adoção ilegal, e lendo até o final vi que está disposto a ajudar quem quiser se aprofundar no assunto.
Gostaria muito de qualquer ajuda e dados que possa compartilhar comigo contribuindo para conclusão do meu TCC e referenciando sempre suas buscas e estatísticas claro.
Aguardo resposta e ótima reportagem, acho muito que deveria continuar a terminar seu livro.
Interesso-me pelo assunto. ericajfontes@outlook.com
Nasci em 1982 no Hospital de Piraquara e descobri que essa senhora aí me tirou da minha mãe, gostaria que você entrasse em contato comigo.
Passou uma reportagem sobre isso no fantástico … você chegou a ver ?
Meu nome Maycom, no ano de 1986 eu fui raptado por essa mulher do quintal da minha casa, eu esta com 2 anos, foi em Curitiba no bairro santa cândida, me levou e por Deus meu tio me achou sendo carregado por essa mulher a ins 3 quarteirões de casa, hoje eu não sou um marginal e agradeço a Deus pela familia que tenho, eu poderia ter sido mais uma dessas crianças que perderam os país por conta de uma mulher mostra dessas, tenho nojo dessa criatura.
Acabo de descobrir esse acontecimento. Moro fora do Brasil ha muitos anos, por conta de casamento com estrangeiro. Fui adotada em 1980, em Caçador/SC por uma familia maravilhosa, a quem muito amo.
Mas, em vista desse recente descobrimento, temo que as circunstancias da minha adocao nao foram exatamente como explicadas a mim. Gostaria de ter mais informacoes, por favor. Qualquer dica (sobre por exemplo qual orgao procurar a meio de obter mais dados, verificar a autenticidade dos meus documentos etc) é muito bem-vinda e agradeço desde ja.
Excelente. Obrigado por compartilhar. Histórias como esta me levam a pesquisar e saber mais. Entre elas, as “bruxas” de Guaratiba e os crimes de Alfredo Stroessner. Um abraço.
Excelente. Obrigado por compartilhar. Histórias como esta me levam a pesquisar e saber mais. Entre elas, as “bruxas” de Guaratuba e os crimes de Alfredo Stroessner. Um abraço.
Mulher infame, merece queimar fogueira.
Olá meu nome é Thiago e devido essa entrevista e há também diversos comentários vistos por essa reportagem até mesmo por essa matéria no site eu hoje com 34 anos estou também à procura dos meus pais biológicos eu nasci no ano de 1986 acredito também ter nascido em Pelotas no Rio Grande do Sul no mês de março ou seja 6 de Março e até hoje eu não conheço os meus pais biológicos não sei quem são onde moro e tentam sou filho único você já sou uma pessoa que nem irmãos tem nem da família adotiva que eu fui adotado quatro meses após o meu nascimento e também não conheço se tenho irmãos ou irmãs dos meus familiares biológicos seja dos meus pais e verdadeiros por favor gostaria de ajuda vai ficar o meu e-mail aí para Quem souber ou tem alguma possibilidade de me ajudar ou alguém pode me ajudar a encontrar meus pais biológicos Por favor entre em contato através do meu e-mail tiagobarcelos370@yahoo.com
Assisti o vídeo da Arlete que ela diz que as mães vendiam seus filhos pura mentira pois meu irmão que foi levado pela quadrilha dela estava em meus braços e não peguei dinheiro nenhum até mesmo porque eu também era uma criança e não sabia oque estava acontecendo.
Oi Lilian.
Onde foi o ocorrido? E qual data?
Procuro por uma menina ela foi tirada dos braços da mae em balneario Camboriú s.c ela nasceu em tijucas e no mesmo dia foi roubada da mae na década de 80
Procuro uma menina nasceu no hospital de tijucas sc e no mesmo dia foi roubada da mae em balneario canboriu bem do geito que a Arlete monstro falou deram uma volta com a mãe é o bebê dai tiraram a criança dos braços da mae na década de 80 hoje a menina teria seus 27 anos..eu acho
Olá Gabriel,
Parabéns primeiramente pelo artigo.
Fui adotado em Julho de 1983 no Hospital Santa Isabel em Blumenau/SC, através da Irmã Emelia, a qual pelo que li em alguns artigos na internet também tinha conexão com esta senhora em questão. Acredito não ter ido parar em Israel ou outro lugar mais longe porque nasci durante a grande enchente de 1983 na região. Pelo que me contaram, nasci na cidade de Ascurra/SC ou arredores, região próxima de Blumenau, e não sei como fui parar nas mãos desta freira que me doou aos meus pais.
Até hoje nunca tive nenhuma notícia sobre minha família biológica.
Pelo que sei minha família não pagou nada a freira, provavelmente pelo caos que estava a cidade e o hospital com a enchente.
Ao menos isso que imagino.
Sempre morei em SC.
Continuo buscando informações.
Oi, Gabriel. Tudo bem?
Tomei conhecimento do seu texto (muito bem elaborado, obrigada!) ontem. Você já deve ter ouvido o podcast produzido pelo Ivan Mizanzuk e, posteriormente, a série produzida pela Globo Play, sobre o Caso Evandro e também sobre o Caso Leandro Bossi.
Depois de assistir fiquei bastante interessada e de vez em quando me dedico a tentar ir cavando algumas ligações sobre esses casos. Penso na possibilidade do esquema da Arlete Hilu estar envolvido no desaparecimento do Leandro Bossi, principalmente. Enfim, gostaria de saber se no material que você possui possa existir alguma “pista” sobre isso… se consta nomes de juízes, delegados e policiais do Paraná que estiveram envolvidos nesses casos e também na quadrilha da Hilu.
Ficaria grata com qualquer retorno seu. Obrigada.