O jornalista Klester Cavalcanti, colega de Estadão e autor do livro “Dias de Inferno na Síria”, sobre a experiência dele preso pelo regime de Assad há um ano, divulgou hoje no Facebook, o lançamento de outro livro, em Belo Horizonte: “Holocausto brasileiro”, de Daniela Arbex.
Achei o título – e a foto do flyer – de um sensacionalismo ímpar. Usar o termo “holocausto” e imagens associadas à tragédia para fazer referência a qualquer evento em que morrem pessoas – de forma institucionalizada ou não – é nada mais que um artefato barato para vender livros, eu acho.
Eu disse lá que acho o título sensacionalista. O amigo da Daniela, meu colega, respondeu: “O livro fala da morte de mais de 60 mil pessoas, num período de décadas. Eram internos de um hospício em Minas Gerais”. Sinceramente, achei o tema necessário, urgente (porque é lamentavelmente atual) e (escrevi lá) chocante:
“Deve ser uma interessante reportagem. Mas dar a ela o nome de uma tragédia que matou 9 milhões de pessoas inocentes é bem sensacionalista, com muito respeito a cada um dos 60 mil (mortos em) Minas Gerais”.
Tive, então, o seguinte diálogo com a Daniela, a autora:
Ela: “É melhor você ler antes e depois julgar se o título está ou não inadequado. Você vai se surpreender”.
Eu: “Você vai lançar em SP também?”
Ela: “Acho que sim, Gabriel. Mas o livro chegará aí em São Paulo antes de mim”.
Eu: “Vou esperar você!”
Ela: “Combinado. Agradeço pela honra!”
Eu: “A honra será minha. De qualquer jeito, eu tendo a evitar o uso indiscriminado do termo ‘holocausto’, para não minimizar o que foi o Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial. Que tal ‘chacina’? Ou ‘massacre’? Ou ‘assassinatos institucionais’? Enfim, espero colaborar para o debate!”
Ela: “O nome foi escolhido com muito cuidado e a dedo. E há uma explicação no livro, logo no prefácio da Eliane Brum, sobre ele. De qualquer forma, o debate é sempre saudável e agradeço por isso”.
Fico contente de poder ter uma conversa saudável sobre um assunto que me incomoda e que em si já é polêmico. E tendo a continuar achando que a Eliana Brum não vai conseguir me convencer sobre a necessidade de usar esse termo em qualquer circunstância que não seja aquele que matou milhões de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial. Alguém discorda? Alguém concorda?
Concordo 100%
Concordo em princípio. Mas 60 mil pessoas indefesas e inocentes atacadas institucionalmente me parece suficientemente horripilante para ser equiparado a tragédias maiores em escopo.
Você tem razão, Gabriel. O termo, por definição, detém, digamos, uma certa exclusividade no uso. A palavra holocausto está assim no Houaiss:
substantivo masculino ( sXIV)
1 sacrifício, praticado pelos antigos hebreus, em que a vítima era inteiramente queimada
1.1 p.met. a vítima assim sacrificada
2 p.ext. sacrifício, expiação ‹ oferecer o próprio filho em h. ›
3 fig. ato de abnegar-se; renúncia, abnegação
4 hist massacre de judeus e de outras minorias, efetuado nos campos de concentração alemães durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) inicial maiúsc.
Etimologia
gr. holókautos (ou holókaustos),os,on ‘sacrifício em que a vítima é inteiramente queimada’, pelo lat. holocaustum,i ‘id.’; f.hist. sXIV olocausto, 1532 elocausto
Em português claro: mais do que sensacionalista, o título do livro é oportunista.
Condordo em usar o termo Holocausto para algumas outros assassinatos em massa como o Armênio….
Gabriel, você está equivocado. A foto da capa do livro, que revela a rotina de um campo de concentração, é do interior do Hospital Colônia. Acho importante o debate, desde que a gente conheça exatamente do que está falando. Você não conhece o livro, não sabe nada sobre esse, sim, holocausto, que exterminou gerações dentro do Brasil. Exatamente porque essa é uma tragédia desconhecida é que sugiro: leia antes e critique depois.
Lerei o livro com muito prazer apesar do doloroso retrato que você deve fazer nele. Mas na minha opinião nada se compara ou pode ser comparado (ainda que só no uso de um nome) com o Holocausto.
Tudo bem. São opiniões e respeito a sua. A história da Colônia é terrivelmente dolorosa, mas até nos lugares mais cruéis a gente encontra exemplos de humanidade. Boa leitura, Gabriel….
Bom, o meu primeiro comentário foi um tanto quanto superficial (hehe), e já que o tema abriu espaço para discussões, como de fato deveria ser, vai o meu ponto de vista mais detalhado.
O ponto em questão é muito simples. já existe um termo que cabe muito bem para a situação: Genocídio. Utilizando a mesma fonte que Günther Hamann utilizou num comentário acima, conta no Houaiss:
Genocídio – substantivo masculino
1 extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso
Ex.: o g. de judeus na Segunda Guerra Mundial
2 Derivação: por extensão de sentido.
destruição de populações ou povos
Ex.: uma guerra nuclear resultaria num verdadeiro g.
3 aniquilamento de grupos humanos, o qual, sem chegar ao assassínio em massa, inclui outras formas de extermínio, como a prevenção de nascimentos, o seqüestro sistemático de crianças dentro de um determinado grupo étnico, a submissão a condições insuportáveis de vida etc.
A utilização do termo Holocausto para caracterizar outros genocídios, que não o judaico, praticado na 2a. Guerra Mundial. é uma estratégia recorrente de historiadores revisionistas, que ao comprar com outros genocídios ocorridos no mundo, tentam diminuir a importância ou até a existencia do mesmo.
Portanto, não menosprezando as vitimas da situação descrita no livro supracitado, sim acho incorreto e indevido a utilização do termo Holocausto.
Concordo Gabriel.
Penso o mesmo quando vejo uma pessoa chamando outra de nazista, apenas pelo uso do termo. Para caracterizar uma pessoa que seja de direita, por exemplo.
holocausto tem um so que e o holocausto judeu na segunda guerra mundial , tao unico que deu origem a declaraca dos direitos humanos para prevenir que nao aconteca mais algo assim na historia da humanidade. mais e os armenios ? ruanda? darfur? genocidios , limpeza etnica , chacina , massacre etc etc etc .
Holocausto é um termo grego que define um sacrifício que é inteiramente queimado com um objetivo espiritual, não vejo esse objetivo espiritual no Holocausto da Segunda Guerra Mundial.
Além do que, a palavra em hebraico correspondente é Shoah, que significa catástrofe e não Holocausto. Tenho uma certa curiosidade em saber o motivo da escolha da palavra Holocausto para definir o genocídio praticado pelos nazistas contra os judeus.
Uma vez que palavra Holocausto está fortemente atrelada para definir o genocídio em massa dos judeus, acredito que seja ofensivo – ainda mais em tempos em que há quem negue o Holocausto – utilizá-la para definir outros acontecimentos, pode acabar amenizando ou dificultando o compreendimento do que de fato ocorreu na Europa e na Alemanha Nazista.
Ah! blz, estava testando se havia moderação… faz um favor a minha auto estima, não publica meu comentário.
Mas assim, se você quiser considerar o texto para dummies, ou a explicação do seu por que… eu adoraria ler isso.
Por que você acha que o termo “holocausto” não pode ser usado para se referir a nenhum outro genocídio na história? (Você falou do sensacionalismo, ok, concordo em partes), mas não disse por que acha que o uso do termo é inadequado.
(Assim, pode até não ser do seu interesse dizer isso, mas é que eu fiquei curiosa). Se for responder, pense que está falando com uma débil nesse assunto, tudo que sei é isso: http://pt.wikipedia.org/wiki/Holocausto e assim… pelo inicio da descrição, não vi porque não emprega-lo em outros genocídios.
Na verdade acho que a minha dúvida é mais embaixo, por que esse genocídio, sim, eu tenho uma reles noção do que foi, ganhou um nome próprio? E tantos outros no mundo não? Porque foi uma nação controlada por um homem? Eu juro que não entendo direito isso.
Faz um post para dummies sobre o holocausto. Que foi uma tragédia da humanidade, e que envolveu a morte de não sei quantos milhões de judeus, todo mundo sabe, mas por que, isso fere o orgulho dos homens até hoje? (Eu sou cristã, então parte da minha história tem relação com os judeus, uma parte bem ínfima, mas se não me engano, a religião cristã inteira, se baseia num judeu, que foi um rebelde … enfim, eu li isso da Wikipédia, e fiquei meio zonza, tem uma parte que quem escreveu considerou a Bíblia antissemita, até dá para entender a razão da coisa… mas beira a loucura não? Porque assim, Jesus Cristo é judeu, o cara que todo mundo que crê na Bíblia e segue, é um judeu. Então ok, ela até pode ser antissemita, mas… é um pouco de loucura não é?! Não é esse o caso aqui, foi só um comentário que escapou). Por que o uso do termo do holocausto é tão idiossincrático?
Antes que você pense que eu tenho interesse no assunto, só porque foi um post seu, assim, você faz dezenas de posts por dia, se fosse para puxar assunto, (bom eu não precisaria de post nenhum), é que realmente é uma coisa que ainda me intriga, a qual eu não me debrucei, e nem sei se vou ainda nessa vida! Mas a questão é que sei que você tem know-how para explicar isso, até para uma pessoa como eu, que teria uma incrível dificuldade de entender isso.
Este é um daqueles debates em que todos têm razão! Sim, o termo holocausto, em sua origem e definição, cabe perfeitamente no que, imagino, seja descrito no livro, que ainda não li. Afinal, holocausto significa sacrifício, especialmente, mas não apenas, religioso. Nesse sentido, concordo que a situação das pessoas do hospício de MG pode ser comparada a um holocausto. Abandonadas pelas famílias à própria sorte ou à sorte de D’s, ao sacrifício, ao holocausto, assim como Abraão de dispôs a oferecer Isaac em holocausto e foi impedido por D’s.
Mas, também entendo haver um certo sensacionalismo no uso do termo, devido à sua conotação mais atual, com H maiúsculo – Holocausto – que designa, basicamente, o genocídio dos judeus pelos nazistas. Não há como não ler ou ouvir o termo e não fazer, automaticamente, referência àqueles acontecimentos, sentir repulsa, pena, asco e só depois voltar a si e racionalizar o que se está realmente lendo (no caso do livro em questão) – não sobre um genocídio ou assassinato deliberado motivado por diferenças étnicas, religiosas, culturais, etc, mas o homicídio cruel de dezenas de milhares de pessoas vulneráveis e indefesas, largadas à própria sorte, ou seja, um holocausto, por definição, com h minúsculo.
Eu imagino que o Holocausto ficou assim conhecido, devido a todo o processo que antecedeu o extermínio ou genocídio em si, como a perseguição, o terror, a tentativa (muitas vezes bem sucedida) de tirar qualquer traço de dignidade, e porque nunca antes se havia visto algo similar em termos de crueldade e frieza.
Hoje em dia, o termo holocausto está novamente sendo usado com conotação diferente da de genocídio judeu que, nos meios judaicos, é chamado de Shoá.
É um pouco o que acontece com o termo antissemitismo. Apesar de poder não se referir apenas a judeus, afinal, árabes e etíopes também são povos semitas, sua utilização foi disseminada a partir de 1873 por Wilhelm Marr para se referir especificamente ao ódio aos judeus, dando-lhe um tom mais científico. E assim ficou até hoje, antissemitismo = antijudaísmo, mesmo que se explique que o termo é mais amplo e que não faz muito sentido chamar, por exemplo, um árabe de antissemita (post OM 101). A origem e definição do termo é um, mas o uso cotidiano é outro. O mesmo acontece com holocausto e Holocausto e, por isso entendo aqueles que se sentem ofendidos ao lerem holocausto e sentirem Holocausto, aqueles que utilizam o termo holocausto em sua definição primária e até aqueles que se aproveitam da possibilidade de usar holocausto mas remeter a Holocausto de maneira sensacionalista.