A brincadeira funciona assim: eu ouço um meio diálogo pelas minhas andanças e publico aqui no blog. Pode ser uma frase ouvida na rua, uma parte de um diálogo do casal da mesa ao lado, uma reclamação feita em voz alta dentro do metrô. Você usa os comentários para montar a sua história e para dar sentido – qualquer sentido – à frase. Vamos lá?
Para começar…
“Não, Rafael, isso não significa que não vou poder nunca”, disse ela.
“Casseta! Não é possível que você nunca pode deixar de ser engraçadinha.”
Erotildes não se deu à indignação de uma resposta.
“Não vai responder, né? Fica nessa de meta-piada, meta-comentário, o comentário a respeito do comentário. E ainda por cima no blog dos outros.”
Rafael já estava quase desistindo.
“Sabe do que, Erotildes? Eu desisto. Vem o cara, propõem um negócio legal e você vai lá e avacalha. Sabe por que?” E fez uma cara de quem não está esperando por resposta. “Sabe por que? Porque você não é séria! Não pode ser. Não vai poder ser nunca!”
“Não, Rafael, isso não significa que não vou poder nunca”, disse ela.
Pelo contrário. Eu posso!! Continuou Erotildes.
Tanto posso como sou séria. Fiz o que fiz, porque não sei se a proposta de négócio é séria. Ainda mais vindo de quem veio, seu amigo Tatu, olha o apelido que ele tem? Como eu posso levá-lo á sério? Você vive reclamando de mim para ele… Erotildes se calou pois se continuasse começaria a gritar, sufocou as quase lágrimas e fingiu se ocupar com outra coisa para Rafael não perceber.
– Rafael, o que vc tem que entender é que nem tudo que se oferece pra nós devemos ” topar fazer “. A vida é feita de escolhas… e algumas delas podem ser fatais.
Sim , fui ironica com ele , mas o que eu queria deixar bem claro é que ninguém vai me obrigar a fazer aquilo que não quero.
E por não ter topado a proposta dele não significa que nunca mais vou poder ser aquilo que sempre sonhei. E você sabe muito bem aonde quero chegar … e isso não significa que nunca mais vou poder.
Rafael responde : Ok , vendo por esse ângulo eu entendi sua reação, mas me diga : – O que faremos agora ?
“Não, Rafael, isso não significa que não vou poder nunca”, disse ela.
Ele engoliu em seco, não queria mais discutir e não queria brigar. Só queria que, desta vez, fosse diferente.
Ele sabia. Não era questão de poder ou mesmo de querer. Sempre havia justificativas lógicas, reais e pertinentes para suas recusas. Na verdade, era sempre a mesma justificativa. Faltava consideração.
Eram amigos há algum tempo, gostavam da companhia um do outro e quando estavam juntos, não importava por quanto tempo, sempre parecia que os assuntos não se esgotavam. Falavam sobre cinema, política internacional, sexo, amenidades, tudo e mais um pouco. De certa forma, se alimentavam disso. Era uma amizade quase fraternal e talvez por isso, ela se sentisse tão à vontade com ele. Ao ponto de não sentir remorso ao recusar ou desmarcar, em cima da hora, os convites que ele lhe fazia ou até mesmo os que ela mesma fazia. Suas vontades mudavam ao sabor do clima paulistano. Durante o dia, no calor, ela queria uma coisa e ele se esforçava para ajudar, mas, ao cair da noite, com o frio chegando, ela já queria outra coisa. E pronto. Não agradecia, não pedia desculpas, o mundo girava a seu redor.
Ela era uma bem-sucedida advogada. Queria mudar o mundo e ele a admirava por isso. Ela estava sempre olhando para cima e em frente. Tinha muitas ideias e garra. Mas era incapaz de olhar para o lado e reconhecer quem a apoiava e ajudava. Não agradecia ou pedia desculpas. Os esforços dos outros, mesmo que para agrada-la, passavam despercebidos.
“Não, Rafael, isso não significa que não vou poder nunca”, disse ela.
“Não, Marcela, isso significa que eu não vou querer mais”, respondeu e saiu.
Erotildes se sentiu perdida.
De tanto lhe falarem, ela tomava consciência aos poucos que era um pouco negligente com as pessoas de um modo geral, mas o que Rafael acabara de fazer com ela… Primeiro diz que entende, e pergunta o que fariam, depois troca o nome dela propositalmente. Aliás era uma prática habitual dele, provocá-la com o nome.
Naquele momento ela se sentia injustiçada, tinha sido acusada de não ser uma pessoa séria, e ele agira como um garoto amedrontado tomanto a primeira saída para não mais estar com ela.
Erotildes se sentiu perdida.
Rafael perambulou pela rua a noite toda
Ele tinha feito tudo por ela, não podia contar a verdade. A proposta que seu amigo Tatu fizera à Erotildes na realidade partira dele.
Erotildes apesar de ser bem sucedida na profissão, se sentia insatisfeita no escritório que trabalhava, e Rafael estava montando uma OnG para Erotildes coordenar. – Quero trabalhar por motivos nobres, ela dizia. Rafael não se conformava por ela não apenas ter recusado, como zombado da ideia toda. E por isso ele estava decidido a não ceder, somente desta vez não se curvaria às tolices de Erotildes.
Erotildes tinha feito um comentário muito maldoso no blog do amigo Tatu, pois ele em um post revelador citou seu nome e colocou sua foto contando mentiras a seu respeito.
Aquilo lhe pareceu uma afronta, afinal ela uma jovem advogada com um futuro promissor, foi exposta de uma forma ridicula na internet.
E isso não seria bom para sua carreira.
Rafael tinha feito um acordo com o amigo, e o usou para aquilo, pois ele queria testa-la e ver como seria sua reação diante de falsas acusações.
Em breve ela se tornaria uma pessoa publica e muito requisitada, pois estava defendendo um criminoso muito cruel.
A Ong que ele estava criando pra ela iria ajudar familias de criminosos, e tudo que estava acontecendo era apenas para treina-la , afinal muitos jornalistas iriam sabatiná-la com perguntas e acusações.
No Blog, Tatu além de dizer falsas acusações contra ela, deixou um convite, pedindo que se aquilo tudo não fosse verdade que se apresentasse para uma entrevista com ele. Ela então riu e disse que nunca iria.
Erotildes tinha um sonho … e aquilo tudo podia ser fatal para que um dia ela chegasse a ser uma …
Sozinha em casa, Erotildes divagava sobre sua vida… E questionava-se…
– Em que momento eu passei a ser o que sou? As escolhas que fiz são minhas, mas, sob quais influências? Quais eram mesmo os meus ideais? Como me tornei essa advogada sobrecarregada de trabalho? Por que eu nãol fui ser fotógrafa como Peter Parker? Eu que sempre admirei artes, fui parar nos tribunais!! Pior, nas páginas de um blog caluniador!! Se nem o Rafael me entende… Mas ele sabe o que sou, quem eu sou. Ele vai voltar.
Ela pôs Nina Simone para tocar e abriu uma garrafa de vinho… A noite ainda estava longe de acabar.
Erotildes então trocou a trilha sonora… pôs Frou Frou!
Combinava mais com seus pensamentos e sonhos…
Entre uma musica e outra a campanhia toca … com pouca vontade de abrir a porta Erotildes grita :
– Seja quem for , não pedi nada , vá embora !
Um silencio profundo, e entao a voz do outro lado da porta diz :
– Tide, abre sou eu …Rafa
E como um trovão ela corre e abre a porta , pulando no pescoço de Rafael e lhe dando um beijo intenso , apaixonante e eletrizante.
Enquanto beija ela diz :
– Nunca, nunca mais quero ficar longe de vc por um segundo sequer, não se atreva a brigar comigo nunca mais.
– Eu te amo e vc é tudo que tenho nessa vida !
( Be my husband – de Nina Simone tocando de fundo ) e a atmosfera da sala se transforma.
Os dois se entregam intensamente , parecem que tinham sido feitos um para o outro.
Rafael diz baixinho no ouvido dela : – Sim você pode meu amor … você pode tudo aquilo que quiser, porque eu estou aqui para te ajudar.